SOBRE A IMPORTÂNCIA DA MUSICA NA EDUCAÇÃO

A IMPORTÂNCIA DA MUSICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NO ENSINO FUNDAMENTAL A MÚSICA COMO MEIO DE DESENVOLVER A INTELIGÊNCIA E A INTEGRAÇÃO DO SER
Lígia Karina Meneghetti Chiarelli
Sidirley de Jesus Barreto


Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar a música e a musicalização como elementos contribuintes para o desenvolvimento da inteligência e a integração do ser. Explica como a musicalização pode contribuir com a aprendizagem, traz algumas sugestões de atividades e analisa o papel da música na educação. Remete também ‘a Inteligência Musical, apontada por Howard Gardner, como uma das múltiplas inteligências e à capacidade que a música tem de influenciar o homem física e mentalmente, podendo contribuir para a harmonia pessoal, facilitando a integração e a inclusão social.
Palavras-chave: música, musicalização, educação, desenvolvimento, integração, inclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo apresentar a música e a musicalização como elementos contribuintes para o desenvolvimento da inteligência e a integração do ser. Explica como a musicalização pode contribuir com a aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento cognitivo/ lingüístico, psicomotor e sócio-afetivo da criança. Apresenta algumas sugestões de atividades, baseadas na experiência com a prática da musicalização com crianças e fundamentadas em pesquisa bibliográfica.
O artigo fala ainda do papel da música na educação, não apenas como experiência estética, mas também como facilitadora do processo de aprendizagem, como instrumento para tornar a escola um lugar mais alegre e receptivo, e também ampliando o conhecimento musical do aluno, afinal a música é um bem cultural e seu conhecimento não deve ser privilégio de poucos. Sugere que a escola deve oportunizar a convivência com os diferentes gêneros, apresentando novos estilos, proporcionando uma análise reflexiva do que lhe é apresentado, permitindo que o aluno se torne mais crítico.
Também aborda a questão da Inteligência Musical, apresentada por Howard Gardner (1995) na teoria das inteligências múltiplas, e apresenta alguns motivos pelos quais ela deva ser melhor considerada no currículo escolar. Por fim, indica a música como um elemento importante para estabelecer a harmonia pessoal, facilitando a integração, a inclusão social e o equilíbrio psicossomático.
2. O QUE É MÚSICA?
Segundo Bréscia (2003), a música é uma linguagem universal, tendo participado da história da humanidade desde as primeiras civilizações. Conforme dados antropológicos, as primeiras músicas seriam usadas em rituais, como: nascimento, casamento, morte, recuperação de doenças e fertilidade. Com o desenvolvimento das sociedades, a música também passou a ser utilizada em louvor a líderes, como a executada nas procissões reais do antigo Egito e na Suméria.
Na Grécia Clássica o ensino da música era obrigatório, e há indícios de que já havia orquestras naquela época. Pitágoras de Samos, filósofo grego da Antigüidade, ensinava como determinados acordes musicais e certas melodias criavam reações definidas no organismo humano. “Pitágoras demonstrou que a seqüência correta de sons, se tocada musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e acelerar o processo de cura” (BRÉSCIA, p. 31, 2003).
Atualmente existem diversas definições para música. Mas, de um modo geral, ela é considerada ciência e arte, na medida em que as relações entre os elementos musicais são relações matemáticas e físicas; a arte manifesta-se pela escolha dos arranjos e combinações. Houaiss apud Bréscia (2003, p. 25) conceitua a música como “[...] combinação harmoniosa e expressiva de sons e como a arte de se exprimir por meio de sons, seguindo regras variáveis conforme a época, a civilização etc”.
Já Gainza (1988, p.22) ressalta que: “A música e o som, enquanto energia, estimulam o movimento interno e externo no homem; impulsionam-no ‘a ação e promovem nele uma multiplicidade de condutas de diferentes qualidade e grau”.
De acordo com Weigel (1988, p. 10) a música é composta basicamente por:
Som: são as vibrações audíveis e regulares de corpos elásticos, que se repetem com a mesma velocidade, como as do pêndulo do relógio. As vibrações irregulares são denominadas ruído.
Ritmo: é o efeito que se origina da duração de diferentes sons, longos ou curtos.
Melodia: é a sucessão rítmica e bem ordenada dos sons.
Harmonia: é a combinação simultânea, melódica e harmoniosa dos sons.
De acordo com Wilhems apud Gainza (1988, p. 36):
Cada um dos aspectos ou elementos da música corresponde a um aspecto humano específico, ao qual mobiliza com exclusividade ou mais intensamente: o ritmo musical induz ao movimento corporal, a melodia estimula a afetividade; a ordem ou a estrutura musical (na harmonia ou na forma musical) contribui ativamente para a afirmação ou para a restauração da ordem mental no homem.
2.1. O QUE É MUSICALIZAÇÃO ?
Para Bréscia (2003) a musicalização é um processo de construção do conhecimento, que tem como objetivo despertar e desenvolver o gosto musical, favorecendo o desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, senso rítmico, do prazer de ouvir música, da imaginação, memória, concentração, atenção, auto-disciplina, do respeito ao próximo, da socialização e afetividade, também contribuindo para uma efetiva consciência corporal e de movimentação.
As atividades de musicalização permitem que a criança conheça melhor a si mesma, desenvolvendo sua noção de esquema corporal, e também permitem a comunicação com o outro. Weigel (1988) e Barreto (2000) afirmam que atividades podem contribuir de maneira indelével como reforço no desenvolvimento cognitivo/ lingüístico, psicomotor e sócio-afetivo da criança, da seguinte forma:
Desenvolvimento cognitivo/ lingüístico: a fonte de conhecimento da criança são as situações que ela tem oportunidade de experimentar em seu dia a dia. Dessa forma, quanto maior a riqueza de estímulos que ela receber melhor será seu desenvolvimento intelectual. Nesse sentido, as experiências rítmico musicais que permitem uma participação ativa (vendo, ouvindo, tocando) favorecem o desenvolvimento dos sentidos das crianças. Ao trabalhar com os sons ela desenvolve sua acuidade auditiva; ao acompanhar gestos ou dançar ela está trabalhando a coordenação motora e a atenção; ao cantar ou imitar sons ela esta descobrindo suas capacidades e estabelecendo relações com o ambiente em que vive.
Desenvolvimento psicomotor: as atividades musicais oferecem inúmeras oportunidades para que a criança aprimore sua habilidade motora, aprenda a controlar seus músculos e mova-se com desenvoltura. O ritmo tem um papel importante na formação e equilíbrio do sistema nervoso. Isto porque toda expressão musical ativa age sobre a mente, favorecendo a descarga emocional, a reação motora e aliviando as tensões. Qualquer movimento adaptado a um ritmo é resultado de um conjunto completo (e complexo) de atividades coordenadas. Por isso atividades como cantar fazendo gestos, dançar, bater palmas, pés, são experiências importantes para a criança, pois elas permitem que se desenvolva o senso rítmico, a coordenação motora, fatores importantes também para o processo de aquisição da leitura e da escrita.
Desenvolvimento sócio-afetivo: a criança aos poucos vai formando sua identidade, percebendo-se diferente dos outros e ao mesmo tempo buscando integrar-se com os outros. Nesse processo a auto-estima e a auto-realização desempenham um papel muito importante. Através do desenvolvimento da auto-estima ela aprende a se aceitar como é, com suas capacidades e limitações. As atividades musicais coletivas favorecem o desenvolvimento da socialização, estimulando a compreensão, a participação e a cooperação. Dessa forma a criança vai desenvolvendo o conceito de grupo. Além disso, ao expressar-se musicalmente em atividades que lhe dêem prazer, ela demonstra seus sentimentos, libera suas emoções, desenvolvendo um sentimento de segurança e auto-realização.
É importante salientar a importância de se desenvolver a escuta sensível e ativa nas crianças. Mársico (1982) comenta que nos dias atuais as possibilidades de desenvolvimento auditivo se tornam cada vez mais reduzidas, as principais causas são o predomínio dos estímulos visuais sobre os auditivos e o excesso de ruídos com que estamos habituados a conviver. Por isso, é fundamental fazer uso de atividades de musicalização que explorem o universo sonoro, levando as crianças a ouvir com atenção, analisando, comparando os sons e buscando identificar as diferentes fontes sonoras. Isso irá desenvolver sua capacidade auditiva, exercitar a atenção, concentração e a capacidade de análise e seleção de sons.
As atividades de exploração sonora devem partir do ambiente familiar da criança, passando depois para ambientes diferentes. Por exemplo, o educador pode pedir para que as crianças fiquem em silêncio e observem os sons ao seu redor, depois elas podem descrever, desenhar ou imitar o que ouviram. Também podem fazer um passeio pelo pátio da escola para descobrir novos sons, ou aproveitar um passeio fora da escola e descobrir sons característicos de cada lugar.
O educador também pode gravar sons e pedir para que as crianças identifiquem cada um, ou produzir sons sem que elas vejam os objetos utilizados e pedir para que elas os identifiquem, ou descubram de que material é feito o objeto (metal, plástico, vidro, madeira) ou como o som foi produzido (agitado, esfregado, rasgado, jogado no chão). Assim como são de grande importância as atividades onde se busca localizar a fonte sonora e estabelecer a distância em que o som foi produzido (perto ou longe). Para isso o professor pode pedir para que as crianças fiquem de olhos fechados e indiquem de onde veio o som produzido por ele, ou ainda, o professor pode caminhar entre os alunos utilizando um instrumento ou outro objeto sonoro e as crianças vão acompanhando o movimento do som com as mãos.
Posteriormente o educador pode trabalhar os atributos do som:
Altura: agudo, médio, grave.
Intensidade: forte, fraco.
Duração: longo, curto.
Timbre: é a característica de cada som, o que nos faz diferenciar as vozes e os instrumentos.
Os atributos do som podem ser trabalhados por meio de comparação, diferenciando um som agudo de um grave, forte de um fraco, ou longo de um curto. Mas é mais interessante o uso de jogos musicais, como por exemplo, o Jogo do Grave e Agudo (baseado no Morto Vivo, só que usa um som agudo para ficar em pé e um grave para abaixar, o som pode ser produzido por um instrumento, por apitos com alturas diferentes ou pela voz). O jogo de Esconde-Esconde onde as crianças escolhem um objeto a ser escondido, e uma delas se retira da classe enquanto as outras escondem o objeto. A criança que saiu retorna para procurar o objeto e as outras devem ajudá-la a encontrar produzindo sons com maior intensidade quando estiver perto, e menor intensidade quando estiver longe. O som poderá ser produzido com a boca, palmas, ou da forma que acharem melhor. Essa brincadeira leva a criança a controlar a intensidade sonora e desenvolve a noção de espaço.
Para trabalhar a noção de duração o educador pode pedir para que as crianças desenhem o som. Não é desenhar a fonte sonora, mas sim descrever a impressão que o som causou, se foi demorado ou breve, ascendente ou descendente. Por fim, para se trabalhar o timbre o educador pode pedir para que uma criança fique de costas para a turma enquanto estes cantam uma canção, ao sinal do professor todos param de cantar e apenas uma criança continua, a que estava de costas deve adivinhar quem continuou. Estas são apenas sugestões, existem diversos outros jogos que podem ser realizados.
Através dessas atividades o educador pode perceber quais os pontos fortes e fracos das crianças, principalmente quanto à capacidade de memória auditiva, observação, discriminação e reconhecimento dos sons, podendo assim vir a trabalhar melhor o que está defasado. Bréscia (2003) ressalta que os jogos musicais podem ser de três tipos, correspondentes às fases do desenvolvimento infantil:
Sensório-Motor (até os dois anos): São atividades que relacionam o som e o gesto. A criança pode fazer gestos para produzir sons e expressar-se corporalmente para representar o que ouve ou canta. Favorecem o desenvolvimento da motricidade.
Simbólico (a partir dos dois anos): Aqui se busca representar o significado da música, o sentimento, a expressão. O som tem função de ilustração, de sonoplastia. Contribuem para o desenvolvimento da linguagem.
Analítico ou de Regras (a partir dos quatro anos) : São jogos que envolvem a estrutura da música, onde são necessárias a socialização e organização. Ela precisa escutar a si mesma e aos outros, esperando sua vez de cantar ou tocar. Ajudam no desenvolvimento do sentido de organização e disciplina.
A duração das atividades deve variar conforme a idade da criança, dependendo de sua atenção e interesse. Além disso, vale lembrar que é preciso respeitar a forma de expressão de cada um, mesmo que venha a parecer repetitivo ou sem sentido. É importante que a criança sinta-se livre para se expressar e criar.
2.2. O PAPEL DA MÚSICA NA EDUCAÇÃO
Snyders (1992) comenta que a função mais evidente da escola é preparar os jovens para o futuro, para a vida adulta e suas responsabilidades. Mas ela pode parecer aos alunos como um remédio amargo que eles precisam engolir para assegurar, num futuro bastante indeterminado, uma felicidade bastante incerta. A música pode contribuir para tornar esse ambiente mais alegre e favorável à aprendizagem, afinal “propiciar uma alegria que seja vivida no presente é a dimensão essencial da pedagogia, e é preciso que os esforços dos alunos sejam estimulados, compensados e recompensados por uma alegria que possa ser vivida no momento presente” (SNYDERS, 1992, p. 14).
Além de contribuir para deixar o ambiente escolar mais alegre, podendo ser usada para proporcionar uma atmosfera mais receptiva à chegada dos alunos, oferecendo um efeito calmante após períodos de atividade física e reduzindo a tensão em momentos de avaliação, a música também pode ser usada como um recurso no aprendizado de diversas disciplinas. O educador pode selecionar músicas que falem do conteúdo a ser trabalhado em sua área, isso vai tornar a aula dinâmica, atrativa, e vai ajudar a recordar as informações. Mas, a música também deve ser estudada como matéria em si, como linguagem artística, forma de expressão e um bem cultural. A escola deve ampliar o conhecimento musical do aluno, oportunizando a convivência com os diferentes gêneros, apresentando novos estilos, proporcionando uma análise reflexiva do que lhe é apresentado, permitindo que o aluno se torne mais crítico. Conforme Mársico (1982, p.148) “[...] uma das tarefas primordiais da escola é assegurar a igualdade de chances, para que toda criança possa ter acesso à música e possa educar-se musicalmente, qualquer que seja o ambiente sócio-cultural de que provenha”.
As atividades musicais realizadas na escola não visam a formação de músicos, e sim, através da vivência e compreensão da linguagem musical, propiciar a abertura de canais sensoriais, facilitando a expressão de emoções, ampliando a cultura geral e contribuindo para a formação integral do ser. A esse respeito Katsch e Merle-Fishman apud Bréscia (2003, p.60) afirmam que “[...] a música pode melhorar o desempenho e a concentração, além de ter um impacto positivo na aprendizagem de matemática, leitura e outras habilidades lingüísticas nas crianças”.
Além disso, como já foi citado anteriormente, o trabalho com musicalização infantil na escola é um poderoso instrumento que desenvolve, além da sensibilidade à música, fatores como: concentração, memória, coordenação motora, socialização, acuidade auditiva e disciplina. Conforme Barreto (2000, p.45):
Ligar a música e o movimento, utilizando a dança ou a expressão corporal, pode contribuir para que algumas crianças, em situação difícil na escola, possam se adaptar (inibição psicomotora, debilidade psicomotora, instabilidade psicomotora, etc.). Por isso é tão importante a escola se tornar um ambiente alegre, favorável ao desenvolvimento.
Gainza (1988) afirma que as atividades musicais na escola podem ter objetivos profiláticos, nos seguintes aspectos:
Físico: oferecendo atividades capazes de promover o alívio de tensões devidas à instabilidade emocional e fadiga;
Psíquico: promovendo processos de expressão, comunicação e descarga emocional através do estímulo musical e sonoro;
Mental: proporcionando situações que possam contribuir para estimular e desenvolver o sentido da ordem, harmonia, organização e compreensão.
Para Bréscia (2003, p. 81) “[...] o aprendizado de música, além de favorecer o desenvolvimento afetivo da criança, amplia a atividade cerebral, melhora o desempenho escolar dos alunos e contribui para integrar socialmente o indivíduo”.
3. A INTELIGÊNCIA MUSICAL – CONTRIBUIÇÕES DE HOWARD GARDNER
A teoria das inteligências múltiplas sugere que existe um conjunto de habilidades, chamadas de inteligências, e que cada indivíduo as possui em grau e em combinações diferentes. Segundo Gardner (1995, p. 21): “Uma inteligência implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural”. São, a princípio, sete: inteligência musical, corporal-cinestésica, lógico-matemática, lingüística, espacial, interpessoal e intrapessoal. A inteligência musical é caracterizada pela habilidade para reconhecer sons e ritmos, gosto em cantar ou tocar um instrumento musical.
Gardner (1995) destaca ainda que as inteligências são parte da herança genética humana, todas se manifestam em algum grau em todas as crianças, independente da educação ou apoio cultural. Assim, todo ser humano possui certas capacidades essenciais em cada uma das inteligências, mas, mesmo que um indivíduo possua grande potencial biológico para determinada habilidade, ele precisa de oportunidades para explorar e desenvolvê-la. “Em resumo, a cultura circundante desempenha um papel predominante na determinação do grau em que o potencial intelectual de um indivíduo é realizado” (GARDNER, 1995, p, 47). Sendo assim, a escola deve respeitar as habilidades de cada um, e também propiciar o contato com atividades que trabalhem as outras inteligências, mesmo porque, segundo o autor, todas as atividades que realizamos utilizam mais do que uma inteligência.
Ao considerar as diferentes habilidades, a escola está dando oportunidade para que o aluno se destaque em pelo menos uma delas, ao contrário do que acontece quando se privilegiam apenas as capacidades lógico-matemática e lingüística. Além disso, na avaliação é preciso considerar a forma de expressão em que a criança melhor se adapte.
Campbell; Campbell; Dickinson (2000, p.147) ao comentarem sobre a inteligência musical, resumem os motivos pelos quais ela deve ser valorizada na escola:
- Conhecer música é importante.
- A música transmite nossa herança cultural. É tão importante conhecer Beethoven e Louis Armstrong quanto conhecer Newton e Einstein.
- A música é uma aptidão inerente a todas as pessoas e merece ser desenvolvida.
- A música é criativa e auto-expressiva, permitindo a expressão de nossos pensamentos e sentimentos mais nobres.
- A música ensina os alunos sobre seus relacionamentos com os outros, tanto em sua própria cultura quanto em culturas estrangeiras.
- A música oferece aos alunos rotas de sucesso que eles podem não encontrar em parte alguma do currículo.
- A música melhora a aprendizagem de todas as matérias.
- A música ajuda os alunos a aprenderem que nem tudo na vida é quantificável.
- A música exalta o espírito humano.
4. A MÚSICA COMO MEIO DE INTEGRAÇÃO DO SER
Há muito vem se estudando a relação entre música e saúde, conforme Bréscia (2003, p. 41): “A investigação científica dos aspectos e processos psicológicos ligados à música é tão antiga quanto as origens da psicologia como ciência”. A autora cita ainda os benefícios do uso da música em diversos ambientes como hospitais, empresas e escolas.
Em alguns hospitais a música tem sido utilizada antes, durante e após cirurgias, os resultados vão desde pressão sangüínea e pulso mais baixos, menos ansiedade, sinais vitais e estado emocional mais estáveis, até menor necessidade de anestésico. A Faculdade de Medicina do Centro de Ciências Médicas e Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo realizou uma pesquisa que avalia os efeitos da música em pacientes com câncer. A pesquisa revela que a musicoterapia pode contribuir para a diminuição dos sintomas de pacientes que fazem tratamento quimioterápico.
Em empresas o meio mais procurado para se fazer música é o canto coral, pois esta é uma atividade que permite a integração e exige cooperação entre seus membros, além de proporcionar relaxamento e descontração. Na opinião de Faustini apud Bréscia (2003, p.61):
A necessidade social do homem de ser aceito por uma organização e de pertencer a um determinado grupo para o qual contribua com seu tempo e talento, é amplamente satisfeita pela participação num grupo coral. Além disso, este grupo lhe dará grande satisfação e prazer em suas realizações artísticas, beneficentes, religiosas, e desenvolverá nele orgulho sadio, por estar sua pessoa relacionada a um excelente grupo.
Cantar é uma atividade que exige controle e uso total da respiração, proporcionando relaxamento e energização. Fregtman apud Gregori (1997 p. 89) comenta que: “O canto desenvolve a respiração, aumenta a proporção de oxigênio que rega o cérebro e, portanto, modifica a consciência do emissor”. A prática do relaxamento traz muitos benefícios, contribuindo para a saúde física e mental. De acordo com Barreto e Silva (2004, p. 64): “O relaxamento propicia o controle da mente e o uso da imaginação, dá descanso, ensina a eliminar as tensões e leva àexpansão da nossa mente”.
Assim como as atividades de musicalização a prática do canto também traz benefícios para a aprendizagem, por isso deveria ser mais explorada na escola. Bréscia (2003) afirma que cantar pode ser um excelente companheiro de aprendizagem, contribui com a socialização, na aprendizagem de conceitos e descoberta do mundo. Tanto no ensino das matérias quanto nos recreios cantar pode ser um veículo de compreensão, memorização ou expressão das emoções. Além disso, o canto também pode ser utilizado como instrumento para pessoas aprenderem a lidar com a agressividade.
O relaxamento propiciado pela atividade de cantar também contribui com a aprendizagem. Barreto (2000, p. 109) observa que: “O relaxamento depende da concentração e por isso só já possui um grande alcance na educação de crianças dispersivas, na reeducação de crianças ditas hiperativas e na terapia de pessoas ansiosas ”. Comenta ainda que crianças com problemas de adaptação geralmente apresentam respiração curta e pela boca, o que dificulta a atenção concentrada, já que esta depende do controle respiratório.
As atividades relacionadas à música também servem de estímulo para crianças com dificuldades de aprendizagem e contribuem para a inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais. As atividades de musicalização, por exemplo, servem como estímulo a realização e o controle de movimentos específicos, contribuem na organização do pensamento, e as atividades em grupo favorecem a cooperação e a comunicação. Além disso, a criança fica envolvida numa atividade cujo objetivo é ela mesma, onde o importante é o fazer, participar, não existe cobrança de rendimento, sua forma de expressão é respeitada, sua ação é valorizada, e através do sentimento de realização ela desenvolve a auto-estima. Sadie apud Bréscia ( 2003, p.50) afirma que:
crianças mentalmente deficientes e autistas geralmente reagem à música, quando tudo o mais falhou. A música é um veículo expressivo para o alívio da tensão emocional, superando dificuldades de fala e de linguagem. A terapia musical foi usada para melhorar a coordenação motora nos casos de paralisia cerebral e distrofia muscular. Também é usada para ensinar controle de respiração e da dicção nos casos em que existe distúrbio da fala.
Já que a música comprovadamente pode trazer tantos benefícios para a saúde física e mental porque a escola não a utiliza mais? Incluí-la no cotidiano escolar certamente trará benefícios tanto pra professores quanto para alunos. Os educadores encontram nela mais um recurso, e os alunos se sentirão motivados, se desenvolvendo de forma lúdica e prazerosa. Como já foi comentado, a música ajuda a equilibrar as energias, desenvolve a criatividade, a memória, a concentração, auto-disciplina, socialização, além de contribuir para a higiene mental, reduzindo a ansiedade e promovendo vínculos (BARRETO e SILVA, 2004).
Gregori (1997) explica que harmonia, em música, é uma combinação de sons simultâneos que acompanha a melodia e é construída de acordo com o gosto do compositor. No cotidiano, inclusive na escola, também se deve buscar harmonizar a síntese dialética corpo/ mente, pois esta tembém deve propiciar uma maior tomada de conhecimento da consciência corporal, promovendo o equilíbrio do ser e contribuindo para sua integração com o meio onde vive, e a música pode contribuir para isto segundo os avanços das neurociências.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Evidenciou-se através deste estudo que as diversas áreas do conhecimento podem ser estimuladas com a prática da musicalização. De acordo com esta perspectiva, a música é concebida como um universo que conjuga expressão de sentimentos, idéias, valores culturais e facilita a comunicação do indivíduo consigo mesmo e com o meio em que vive. Ao atender diferentes aspectos do desenvolvimento humano: físico, mental, social, emocional e espiritual, a música pode ser considerada um agente facilitador do processo educacional. Nesse sentido faz-se necessária a sensibilização dos educadores para despertar a conscientização quanto às possibilidades da música para favorecer o bem-estar e o crescimento das potencialidades dos alunos, pois ela fala diretamente ao corpo, à mente e às emoções.
A presença da música na educação auxilia a percepção, estimula a memória e a inteligência, relacionando-se ainda com habilidades lingüísticas e lógico-matemáticas ao desenvolver procedimentos que ajudam o educando a se reconhecer e a se orientar melhor no mundo. Além disso, a música também vem sendo utilizada como fator de bem estar no trabalho e em diversas atividades terapêuticas, como elemento auxiliar na manutenção e recuperação da saúde.
As atividades de musicalização também favorecem a inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais. Pelo seu caráter lúdico e de livre expressão, não apresentam pressões nem cobranças de resultados, são uma forma de aliviar e relaxar a criança, auxiliando na desinibição, contribuindo para o envolvimento social, despertando noções de respeito e consideração pelo outro, e abrindo espaço para outras aprendizagens.
6. REFERÊNCIAS
BARRETO, Sidirley de Jesus. Psicomotricidade: educação e reeducação. 2. ed. Blumenau: Acadêmica, 2000.
BARRETO, Sidirley de Jesus; SILVA, Carlos Alberto da. Contato: Sentir os sentidos e a alma: saúde e lazer para o dia-a dia. Blumenau: Acadêmica, 2004.
BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.
CAMPBELL, Linda; CAMPBELL, Bruce; DICKINSON, Dee . Ensino e Aprendizagem por meio das Inteligências Múltiplas. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
GAINZA, Violeta Hemsy de. Estudos de Psicopedagogia Musical. 3. ed. São Paulo: Summus, 1988.
GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
GREGORI, Maria Lúcia P. Música e Yoga Transformando sua Vida. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
MÁRSICO, Leda Osório. A criança e a música: um estudo de como se processa o desenvolvimento musical da criança. Rio de Janeiro: Globo, 1982.
SNYDERS, Georges. A escola pode ensinar as alegrias da música? 2. ed. São Paulo: Cortez, 1994.
WEIGEL, Anna Maria Gonçalves. Brincando de Música: Experiências com Sons, Ritmos, Música e Movimentos na Pré-Escola. Porto Alegre: Kuarup, 1988.

Nietzsche e a Música

Considerações do filósofo sobre a música como 
proposta de afirmação da vida
Por 
Célia Evangelista de Paula

1. APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa tem por objetivo explorar algumas das principais considerações feitas pelo filosofoFriedrich Wilhelm Nietzsche sobre a música e sua importância para a afirmação da vida, principalmente a partir das obras O nascimento da tragédia (1872), O Caso Wagner e Nietzsche contra Wagner (1888), além de outras vinculadas ao conjunto de textos do filósofo.
Conforme afirma Nietzsche “A música nos oferece momentos de verdadeiro sentimento” pois “Só a música colocada ao lado do mundo pode nos dar uma idéia do que deve ser entendido por justificação do mundo como fenômeno estético” , percebe que “A vida sem a música é simplesmente um erro, uma tarefa cansativa, um exílio”.  Nestas citações, percebe-se o quanto o filósofo atribui à música a importância para o pensamento e para a vida, ocupando um lugar central na estética de Nietzsche no que se relaciona à afirmação da existência humana.
Cabe ressaltar que a pesquisa leva em consideração integralmente a mesma significação da expressão “música” adotada por Nietzsche. Nesse sentido, esclarece Viviane Mosé: “(…) ao se dirigir à música, Nietzsche não estava, necessariamente falando da arte musical em si, mas de uma melodia original dos afetos ou uma melodia primordial. (…), refere-se a uma língua originária, puramente sonora, impossível de ser simbolizada, fundo de todas as coisas, o querer universal. Esta música impossível de se manifestar, por se caracterizar pela ausência de forma, é o dionisíaco”. 
Reforça Mosé que “Desta música originária derivaria a música propriamente dita, a poesia lírica e épica, a linguagem prosaica e a cientifica, em ordem decrescente. Nem mesmo a arte musical seria capaz de manifestar esta linguagem tão primordial, esta música dionisíaca, embora seja a que mais se aproxima dela”. 
Já Curt Paul Janz, especialista na música de Nietzsche, em entrevista a Paulo César de Souza, explica que “O pensamento de Nietzsche foi musical na medida em que foi fortemente emocional, nascido da vivência do momento – não obstante toda a agudeza do intelecto. Sua musicalidade influi também na configuração, na formade seus escritos, o que por outro lado determina sua relação com a música (…)”. 
Ao levantar e confrontar as diversas percepções, considerações e idéias nietzschianas a respeito da música, torna-se quase impossível deixar de fora alguns aspectos pessoais do universo do filósofo. Suasensibilidade, estilo singular, índole romântica, liberdade intelectual, intuição musical e poética são, com efeito, estimulantes nessa sua paixão pela música.
O trabalho está dividido em dois capítulos – A Música em O nascimento da tragédia: o encantamento por Wagner e A música em O Caso Wagner: desencantamento e doença – e se propõe a mapear parte dessa relação entre Friedrich Wilhelm Nietzsche e a música, buscando evidenciar qual a importância que esse filósofo dava à mesma, bem como entender o significado dessa relação para a afirmação da vida.
 A MÚSICA EM “O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA”: O ENCANTAMENTO POR WAGNER
Copleston, em seu livro Nietzsche, Filósofo da Cultura, escreve: “Aquela alma poética e idealista não podia deixar de ter sido influenciada pela atmosfera religiosa da sua infância, pelos ofícios e música da igreja rural” . O mesmo autor ainda conta que foi em Naumburg que a música começou a desempenhar um papel importante na vida de Nietzsche. Já adulto Nietzsche veio a ser um dos mestres da literatura alemã e continuou a sentir uma paixão profunda pela música.
Nessa época, o filósofo tinha Platão e Ésquilo como seus autores clássicos favoritos. Compondo poemas e música, fundou com alguns amigos uma agremiação literária denominada Germânia. Mas foi na universidade que Nietzsche, como aluno, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega. Em Leipzig, escreve ele: “três coisas constituem para mim uma consolação: o meu Schopenhauer, a música de Schumann e, ultimamente os meus passeios solitários”. 
Seu primeiro livro O nascimento da tragédia no Espírito da Música, escrito em 1871, foi reeditado em 1886 com o título, O nascimento da tragédia, ou Helenismo ou Pessimismo, obra com fortes influências do filósofo Arthur Schopenhauer e do compositor Richard Wagner. Sobre o livro, Nietzsche esclarece:
Vi por várias vezes citada a minha obra com o subtítulo de “Renascimento da tragédia pelo espírito da música”; olhou-se somente para a nova fórmula da arte, para as intenções, com o escopo wagneriano, não se tendo observando aquilo que esse livro continha de importante. “Helenismo e Pessimismo” seria um titulo mais preciso, dado que ensina pela primeira vez como os gregos se libertaram do pessimismo, com que meios o superaram (…). A tragédia é uma prova precisa de que os gregos não eram pessimistas. 
Em primeiro lugar, este livro representa uma homenagem a Richard Wagner, uma interpretação de seus dramas musicais como obras de arte totais que igualam às tragédias antigas. Traz uma dedicatória explícita ao compositor Wagner: “(…) declaro que, por convicção profunda, considero na arte a missão mais elevada e a atividade essencialmente metafísica da vida humana, no que acompanho o pensamento do artista a quem dedico este trabalho, meu nobre companheiro de armas, meu precursor neste difícil caminho”.  Em Wagner, Nietzsche pensava ter encontrado um aliado para trazer a tragédia para o palco, como uma transfiguração cultural e resgatar o valor da sabedoria trágica dos gregos para a sua época.
A obra traz a concepção que Nietzsche tinha da tragédia baseada numa visão fundamentalmente nova da Grécia, ou seja, o sentimento trágico da vida é antes a aceitação e celebração dessa, a jubilosa adesão ao horrível e ao medonho, à morte e ao declínio. Ao resgatar o valor do homem trágico grego, Nietzsche elege a música e seus significados para a afirmação da vida: amor, liberdade, fatalismo e morte.
Na juventude, Nietzsche identifica-se de imediato com a filosofia da música do compositor Richard Wagner, quando este redige, em 1870, um escrito em homenagem ao centenário de Beethoven. Passa a acreditar no drama musical wagneriano enquanto possibilidade de uma reforma e revolução na cultura a partir da criação artística. A tragédia não seria o desprezo da existência e sim uma afirmação contrária à cultura metafísica cristã-platônica, a qual padecia a cultura ocidental. Pensa o filósofo ser a música de Wagner o meio ideal para esse fim. Assim, em 1872, Nietzsche escreve seu primeiro livro O nascimento da tragédia.
O jovem Nietzsche afirmava que a união das artes, e em particular das imagens míticas representadas no palco, é necessária para tornar suportável a força destrutiva da música pura que, de outro modo, provocaria a destruição do indivíduo ou dos princípios individuais – tempo, espaço e causalidade.
Destacará dois pontos – ou duas idéias – na sua argumentação. A primeira idéia é buscar a origem, a composição e a finalidade da arte trágica grega. Para isso, ele investigará a antítese entre dionisíaco e apolíneo. Na segunda idéia, Nietzsche denuncia a morte da arte trágica perpetrada por Eurípedes, homem teórico e racional que remete ao poeta e ao artista explicações racionais baseadas nos preceitos socráticos.
Escreve Nietzsche sobre sua obra: “Entre as duas importantes inovações trazidas por este livro a primeira é a interpretação do fenômeno dionisíaco entre os gregos e a segunda é a interpretação do socratismo, instrumento de decomposição grega como tipo decadente, ou o raciocínio em oposição ao instinto”. 
Nietzsche distingue na cultura grega dois princípios fundamentais: O apolíneo e o dionisíaco. Nas palavras do próprio filósofo vem a explicação:
“Que significam as oposições de idéias entre apolíneo e dionisíaco que introduzi na estética, ambas consideradas como categorias de embriaguez? A embriaguez apolínea produz, acima de tudo, a irritação dos olhos que confere aos olhos a faculdade da visão. O pintor, o escultor, o poeta épico são visionários por excelência. Em contrapartida, no estado dionisíaco, todo o sistema emotivo está irritado e amplificado: de modo que descarrega de um só golpe todos os seus meios de expressão, expulsando sua força de imitação, de reprodução, de transfiguração, de metamorfose, toda espécie de mímica e de arte de imitação".
É então exposta sua tese: a tragédia grega nasce a partir do coro dos sátiros e desenvolve-se da luta entre as duas pulsões estéticas – a apolínea e a dionisíaca. Sendo Apolo o deus da clareza, da harmonia e da ordem e Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Nietzsche conclui que os dois princípios são, na verdade, complementares entre si e, não sendo antagônicos, formam uma aliança, fazem uma reconciliação. Essa ligação estabelecida entre o culto dionisíaco e a arte trágica fornecerá a hipótese necessária à sua teoria da tragédia.
Expressando a força existente nos mitos e o papel da música, encarnada no coro, Nietzsche destaca quais importantes funções desempenhavam as tragédias gregas. Sua obra faz uma análise profunda sobre a cultura grega, ressaltando a conexão entre o sentido do trágico e a expressão musicalmente vigorosa da visão mítica.
O papel da tragédia seria então o de resgatar o mito, dar-lhe um conteúdo mais profundo, uma forma mais expressiva, realizar a verdadeira união entre música e mito. O instinto era despertado no homem e este, num estado dionisíaco, sentia a própria vida, fundindo-se a ela. Segundo Nietzsche:
(…) O homem dionisíaco é incapaz de não compreender uma sugestão qualquer, não deixa escapar nenhum vestígio de emoção, possui no mais alto grau o instinto compreensivo e advinhador, como possui no mais alto grau a arte de se comunicar com os outros. 
Para o filósofo, o que torna a arte trágica possível é a música e ele busca a valorização da música para pensar a tragédia grega como uma arte fundamentalmente musical ou com origem no espírito da música. O mito trágico, enquanto símbolo sublime oriundo da música, arranca o ouvinte espectador de seu sonho de aniquilação orgiástico, fundindo-o à natureza, diluindo sua individualidade. Em sua analise, Nietzsche denuncia a percepção do valor íntimo do trágico, captável através da música conjugada à força plástica do mito.
O objetivo metafísico supremo da tragédia e da arte em geral era, portanto, que a imagem apolínea protegesse e revelasse – tal qual um véu que mostra e esconde – a força destrutiva do dionisíaco. Desse modo, tem-se “Dioniso falando a língua de Apolo, mas Apolo, ao final, falando a língua de Dioniso”.
Os conceitos de apolíneo e dionisíaco aparecem no sentido da essência e da aparência, da representação e da vontade, de Schopenhauer. Descreve que os deuses e heróis apolíneos são aparências artísticas que tornam a vida desejável, encobrem o sofrimento pela criação de uma ilusão, ou seja, é o princípio da individuação, processo de criação do indivíduo. Já o Dionisíaco é a harmonia universal dada pela experiência de reconciliação das pessoas com as pessoas e com a natureza. Tem um sentido místico de unidade e escapa da individuação, se fundindo ao uno, ao ser e integrando a parte com o todo ou a totalidade.
O Apolíneo, enquanto princípio da individuação, determina as formas da aparência e proporciona a medida, a divisão, a figuração, manifestando-se, sobretudo, na pintura, na escultura e no ritmo das músicas cadenciadas. O Dionisíaco, enquanto uno primordial, diz respeito à destruição de toda individuação, a uma total e desmedida embriaguez, manifestando-se principalmente na melodia e na harmonia dissonante, presentes na música cantada pelo coro dos sátiros.
A junção dessas duas pulsões, proporcionaria ao espectador da tragédia, segundo Nietzsche, a possibilidade de entrar em contato com a força destruidora de Dioniso, sem que, entretanto, fosse destruído por ela, pois serviria de salvação pelo poder da bela aparência oferecida por Apolo. Ambas as pulsões tornam-se fundamentais ao homem, pois a imaginação figurativa, que gera as artes da aparência (as palavras poéticas e as artes plásticas) e a potência emocional, que dá voz e vez à música, são asseguradas no prazer estético produzido pelo horror encenado na tragédia grega. Nesse sentido, Nietzsche percebe que:
“A vida no fundo das coisas, a despeito de toda a mudança dos fenômenos, é indestrutivelmente poderosa e alegre. Esta consolação aparece com nitidez corporal como coro de sátiros, coro de seres naturais que vivem inextinguivelmente por trás de toda a civilização (…)”. 
A aliança ou reconciliação entre os dois princípios aparece para estabelecer o culto dionisíaco e a arte trágica. Assim, a multidão encantada de sátiros e silenos dá origem à tragédia, permitindo a possessão causada pela música, onde esta é a expressão imediata e universal da vontade, como essência do mundo. Em suma, a tragédia, fundada na música, é a expressão das pulsões artísticas apolíneas e dionisíacas, ou seja, é a união da aparência e da essência, da representação e da vontade, da ilusão e da verdade. É a atividade que permite o acesso às questões fundamentais da existência.
A música, enquanto arte essencialmente dionisíaca, é o meio para se desfazer da individualidade. Nesse caso, ela é acrescentada de componentes apolíneos – cena e palavra – e o coro dionisíaco se descarrega em um mundo apolíneo de imagens. O mito trágico, criado pelo coro, apresenta uma sabedoria dionisíaca através do aniquilamento do indivíduo heróico e de sua união com o ser primordial, o uno originário (vontade). A finalidade é “aceitar o sofrimento com alegria” como parte integrante da vida, uma vez que o aniquilamento do indivíduo nada afeta a essência da vida.
A tragédia é na definição nietzschiana: “Um coro dionisíaco que incessantemente se descarrega num mundo apolíneo de imagens” e, ainda, “O coro, em seu primeiro estágio, na tragédia primitiva, é a imagem que a natureza dionisíaca percebe de si mesma”. Portanto, “o coro dos sátiros é, antes de mais nada, uma visão da multidão dionisíaca, como é, por seu turno, o mundo do palco uma visão desse coro satírico”. O filósofo tenta arrancar a música ao texto, relançar suas potencialidades significantes antes de toda captura pela palavra ou pela idéia.
Porém, com o advento da razão em detrimento do instinto, surge o socratismo de Eurípedes, usando as palavras do filósofo, o qual baseia-se no fato que “tudo deve ser inteligível para ser belo” ou, como dizia Sócrates, “tudo deve ser consciente para ser bom”. Eurípedes expulsa o elemento dionisíaco, original e onipresente, da tragédia e o substitui por um teatro para a arte, para a moral e para a compreensão que não eram dionisíacas.
Eurípedes, contudo, era apenas uma máscara desta razão preponderante, uma vez que “A divindade que falava através dele não era Dioniso, não era Apolo, mas um demônio recém-nascido e chamado Sócrates – tal é a nova contradição – o dionisíaco e o socrático – e nesta contradição faliu a obra de arte que era a tragédia grega.” [16] Eurípedes transforma-se no poeta do socratismo estético.
Esse espírito racionalista de Eurípedes não é a única causa da morte da tragédia; ele é, em última instância, manifestação de algo mais profundo – o racionalismo socrático – resumido nas três fórmulas: “Virtude é saber”, “só se peca por ignorância” e “o virtuoso é feliz”. Em detrimento do saber mítico, começa a preponderar uma dialética e uma ética otimista, que pressupõe serem os problemas essenciais da existência resolvidos pelo saber racional. Desprezando o instinto, o socratismo condena e arruína a arte trágica.
Conforme Nietzsche, isso desvalorizou a sabedoria instintiva ou inconsciente, a visão mítica do mundo. Se o que se toma como critério é o grau de clareza do saber ou a consciência teórica do artista, a arte trágica estaria desclassificada e sua morte decretada. Consequentemente, o desaparecimento e a morte da arte trágica levam consigo o saber instintivo, a expressividade mítica e o sentir primordial, todos importantes à existência humana. Estava arruinada na medida em que a metafísica racional socrática e criadora do espírito cientifico estavam sobrepostos à metafísica do artista trágico.
Nesse sentido, Sócrates põe fim à afirmação do homem trágico. Em sua denúncia, afirma Nietzsche: “Aqui sobrepõe-se o pensamento filosófico à arte para a obrigar a cingir-se ao movimento da dialética. (…) Sócrates, herói dialético do drama platônico, lembra-nos o herói de Eurípedes, que também é forçado a justificar os seus atos pelo recurso da razão e do argumento, e muitas vezes assim se arrisca a perder a nossa compaixão trágica”.  Assim, a dialética socrática distingue dois mundos: o essencial (verdadeiro e inteligível) e o aparente (falso e sensível).
Como juiz de sua própria arte, Eurípedes faz de sua poesia o eco de seu pensamento consciente, mas ao reavaliar elementos da tragédia como a linguagem, os caracteres, a construção gramática e o coro, exclui o componente dionisíaco da tragédia, e com este, a música. A crítica nietzschiana vem rapidamente, escrevendo ele:
“A dialética otimista, munida com o açoite de seus silogismos, expulsa a música para fora da tragédia: isto é, destrói a própria essência da tragédia, que só se deixa interpretar como manifestação e figuração de estados dionisíacos, como simbolização visível da música, como mundo sonhado por uma embriaguez dionisíaca”. 
Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma “chave” que abre o caminho essencial ao mundo. Os homens viviam seus deuses, que mostravam a vida sob um olhar glorioso. Na tragédia grega, a platéia participava também, era artista. Nos cultos, o deus se revela, mostrando o drama da individualização. Conclui assim que, a filosofia dos pré-socráticos é afirmadora da vida e da natureza, pois o pensamento está unido com esse fenômeno, a vida.
Partindo da descoberta do dionisíaco no cerne da civilização grega, Nietzsche redescobre de modo inovador, a conexão entre o sentido do trágico e a expressão musicalmente vigorosa da visão mítica. Numa de suas intuições geniais, exaltou a força expressiva que o mito desempenha na tragédia grega. Inspirado, como Wagner, nas teses shopenhauerianas, teve os relâmpagos de compreensão que o pensamento domesticado da época recebeu como afrontas ao senso comum.
Empregando o mito na tradução plástica do conflito íntimo de forças do psiquismo humano, os grandes trágicos, ao tomar essa “matéria” como substância do trabalho, superava as limitações sociais das inspirações de seu tempo, passando a criar fora do tempo e para todos os tempos. A função fundamental das tragédias é descrita por Nietzsche como o “poder que excita, purifica e descarrega a vida inteira de um povo”. 
A música, na visão nietzschiana, era a experiência da verdade dionisíaca indissociável da aparência apolínea. O grande significado e papel da música é manter a possibilidade de acesso à realidade da natureza. A música seria a voz da natureza, a voz da realidade interior da vida. Fundar um Estado sobre a música é fundar um Estado sobre a própria realidade, como teriam feito os antigos helenos.
Além da filosofia de Schopenhauer, foi com essa perspectiva citada que o filósofo sentiu-se atraído e entusiasmado pelo projeto wagneriano de regeneração da cultura alemã. Nietzsche acreditava estar a linguagem dos homens modernos pervertida. Eles se tornaram escravos dos homens, das convenções, dos artificialismos, do pensamento correto, das idéias claras e distintas. Com a música, dar-se-ia um retorno à natureza, além de todos os limites e enquadramentos da linguagem.
Quanto ao seu distanciamento de Schopenhauer, escreve Nietzsche: “A tragédia está longe de demonstrar algo a favor dos pessimistas gregos, no sentido de Schopenhauer, que poderia antes ser considerada como sua refutação definitiva, como seu julgamento. A afirmação da vida, mesmo em seus problemas mais estranhos e mais árduos; a vontade de viver, regozijando-se no sacrifício de seus tipos mais elevados, por seu próprio caráter inesgotável – é o que chamei de dionisíaco, é nisso que acreditei reconhecer o fio condutor para uma psicologia do poeta trágico”,  pois:
(…) só as almas mais espirituais, admitindo-se que sejam as mais corajosas, é dado viver as tragédias mais dolorosas: mas é por isso que estimam a vida, porque ela lhes opõe seu maior antagonismo.  O filósofo pensa a música como arte dionisíaca que traduz diretamente a dor e o prazer do querer, maximizando a vontade de vida, pois “(…) só é poeta o homem que possui a faculdade de ver os seres espirituais que vivem e brincam em torno dele; só é dramaturgo o homem que sente o impulso irresistível de se transformar e de falar mediante outros corpos e outras almas”. 
Em suma, sua análise, por meio de uma intuição excepcional, resgata e reconhece a percepção do valor íntimo do trágico, sendo este captável através da música conjugada à força plástica do mito.
Assim permanecerá o pensamento nietzschiano até a publicação de O Caso Wagner, em 1888, onde Nietzsche, desencantado com Wagner e sua música, faz um profundo e impiedoso exame sobre o drama musical wagneriano e seus “males”.
 A MÚSICA EM “O CASO WAGNER”: DESENCANTAMENTO E DOENÇA
Nietzsche conheceu o compositor Richard Wagner em 1868, em Tribschen. O efeito de Wagner sobre Nietzsche foi imediato e esse passa a considerá-lo como um bom representante de Dioniso que tanto buscava. O filósofo passa a ver no compositor a representação de seus ideais quanto ao pensamento schopenhauriano e o resgate ao valor do mito e da música, como forças afirmadoras e criativas. Para Nietzsche, Wagner era o poeta, o músico, o dramaturgo ditirâmbico que exprimia mais transparentemente o pensamento de Schopenhauer. Por meio de sua música, a arte poderia retornar à sua origem na antiguidade e recuperar a união entre vida e sentimento.
Em busca de uma música verdadeira que deixasse soar em si o som total do mundo, Nietzsche fica, a princípio, encantado com a música wagneriana. O drama musical wagneriano poderia recuperar o impulso dionisíaco desaparecido com o socratismo e ser a flauta do deus Dionísio, com seu poder transformador. Porém, essa relação passará de um encantamento – com expressiva amizade e defesa – a uma decepção, seguida de afastamento e críticas.
Foi uma “ilusão” pensar o drama musical wagneriano como uma salvação do sofrimento pelo desconforto enfrentado na cultura. Sobre sua primeira obra dedicada a Wagner, Nietzsche esclarece:
“Para ser justo com O nascimento da tragédia (1872), será preciso esquecer certas coisas. Ele (Wagner) surtiu efeito e mesmo me fascinou pelo que nele era defeito – por sua aplicação ao wagnerismo, como se fosse um sintoma de começo. Esse escrito foi, por isso mesmo, na vida de Wagner, um acontecimento: foi desde então que puseram grandes esperanças no nome de Wagner (…), me lembram que sou eu propriamente o responsável, se uma tão alta opinião sobre o valor cultural desse movimento prevaleceu”.
Quando escreveu a obra acima citada, Nietzsche estava envolvido com o wagnerianismo, sua música e suas idéias. Neste aspecto a ópera wagneriana seria uma revolução. O filósofo traria, junto com Wagner, a “sabedoria trágica” dos gregos – seu pulsar de vida instintiva e mítica – para a sua época. Havia um sonho: transformar a cultura metafísica cristã-platônica, a qual negava a vida, para a celebração desta e sua afirmação. E ainda, o racionalismo exacerbado de Sócrates já tinha fincado raízes bastante profundas. Era preciso interpretar a multiplicidade do homem e re-valorizar o instinto dionisíaco tiranizado pela razão.
A identificação inicial com as idéias wagnerianas estava intensa quando escreveu O nascimento da tragédia, mantendo-se, inclusive, após a sua publicação. Entusiasmado, escreve (a Rohde), em 28/01/1872: “Firmei um pacto com Wagner. Você nem pode imaginar como agora estamos próximos e como nossos planos se tocam”. 
No começo do século 19, a busca pelo mito possuía fortes causas para seu ressurgimento, tornando-se um meio de apaziguar as dores da existência. Nietzsche pensa na elevação da arte como sendo capaz de uma recriação da cultura mítica. Os mitos e sua existência davam ao homem a força necessária para encarar a vida, tornando-os soberanos e poderosos, à medida que superavam suas dificuldades.
Com a perda do mito, o homem encontrava-se só e já não podia mais buscar essa força. Ainda tinha que encarar o contexto da época: fim do Iluminismo, autoquestionamento das limitações da razão e quebra da sociedade pós-feudal, trazendo conseqüências penosas – utilitarismo econômico e egoísmo privado. O homem sente-se sozinho, apavorado e enfraquecido. A unidade social, antes reunida pelo mito, também estava perdida.
Surge O Caso Wagner e, como uma espécie de “breve descanso”, Nietzsche escreve essa obra no intuito de esclarecer seu afastamento quanto ao papel revolucionário que a música wagneriana teve para ele. Sua reverência ao compositor é destruída, surgindo assim um desencantamento e conseqüente distanciamento, definitivos na relação de amizade junto a Richard Wagner.
Numa carta ao amigo Peter Gast, datada em 17/7/1888, o filósofo escreve:
“[...] Caro amigo, você se recorda do pequeno panfleto que escrevi em Turim? Está sendo impresso agora; e peço encarecidamente a sua colaboração. Naumann (o editor) já tem o seu endereço. O título é O Caso Wagner: um problema para músicos”
Na época, Wagner ainda tinha pensamentos revolucionários, defendendo que a corrupção da sociedade também corrompia a arte. Defendia ele que “o mais alto objetivo do ser humano é o artístico”. Quando de sua amizade com Nietzsche, Wagner estava politicamente mais “calmo”, porém não havia ainda abandonado seu desejo de pensar a arte enquanto elemento revolucionário. Muda seu pensamento e adota ideais ascéticos e cristãos, transformando essa arte numa espécie de estética mercantil e de entretenimento, um espetáculo sedutor, com efeitos calculados e hipnóticos junto ao público.
Numa de suas sessões cortadas do livro O Caso Wagner, Nietzsche revela: “(…) Mas falemos do mais famoso dos schopenhauerianos vivos, de Richard Wagner. A ele aconteceu o que já sucedeu com muitos artistas: enganou-se ao interpretar os personagens que havia criado e não compreendeu a filosofia implícita em sua arte mais característica”. 
O que Nietzsche esperava de Wagner e seu drama musical era a re-união dionisíaca nas camadas profundas do sentimento, a significação mítica da vida. Agora, sentindo a volta “lenta e servil” de Wagner ao cristianismo e à igreja, afasta-se do compositor e de seu projeto cultural católico e germânico. Tinha que subtrair essa dominação, pois não compartilhava da mesma idéia. Em seu escrito autobiográfico, esclarece aos leitores:
“Para fazer justiça a esta obra (O Caso Wagner) é necessário sofrer a fatalidade da música como se fora a dor de uma chaga aberta. De que sofro, quando padeço o destino da música? Ressinto-me de que a música tenha sido privada do seu caráter afirmativo e transfigurador do mundo, que se tenha tornado música de decadência, não sendo mais a flauta de Dioniso… Contudo, ainda que se admita a causa da música como uma causa própria, como a história dos próprios sofrimentos, reconhecer-se-á que esta obra é cheia de considerações e sobremodo indulgente”.
Em novembro de 1874, na inauguração da Casa dos Festivais em Bayreuth, Wagner atinge o auge de sua carreira. Explica Safranski:
“Richard Wagner distingue o cerne da religião de seu aparato míticocom seus dogmas e cerimônias complicados e discutíveis – todo o fundo de tradição religiosa que apenas sobrevive na medida em que é reforçado pelos hábitos e protegidos pelo poder oficial. (…) queria atingir o efeito sacralizador e redentor através do caráter da obra de arte total. A arte tem de mobilizar todas as forças. Temos a música, que encontra para o indizíveluma linguagem que só a sensibilidade compreende; temos a ação no palco, os gestos, a mímica, a configuração espacial e, sobretudo, o ritual festivo dos dias de espetáculo, todos reunidos em torno do altar da arte. (…) nesses esforços ele é um expoente do comércio de arte que tanto odeia. Sua arte (…) torna-se um ataque generalizado a todos os sentidos”. 
Ao criar expectativas sobre o drama musical wagneriano, enquanto desprendido de pretensas convenções ou impregnados de leis, Nietzsche rompe com o compositor e se desencanta, mudando seu pensamento. A música wagneriana não seria mais um veículo confiável para se afirmar a vida. A arte do notável músico, considerada antes como o renascimento da arte da Grécia, agora é pensada como “uma grande corrupção para a música, cuja função é o passe hipnótico e a excitação de nervos cansados”.
As divergências aparecem e “O que vai separá-los depois dessa harmonia inicial será o contraste entre uma produção de mitos que exige validade religiosa (Wagner) e um jogo estético com o mito a serviço do viver (Nietzsche)”. 
Em O Caso Wagner vem a crítica:
“Wagner não era músico por instinto. Ele o demonstrou ao abandonar toda lei e, mais precisamente, todo o estilo na música, para dela fazer o que ele necessitava, uma retórica teatral, um instrumento de expressão, do reforço dos gestos, da sugestão, do psicológico-pitoresco. Nisso podemos tê-lo como inventor e inovador de primeira ordem”. 
Nietzsche acusa Wagner de colocar sua música a serviço da decadência cultural e contra tudo que se esperava de revolucionário. Além de produzir espetáculos para a burguesia e todo tipo de Filiteísmo, essa música servia ainda como instrumento anestesiante da religião.
Sobre esse rompimento, Janz, de maneira lúcida e neutra, distingue três níveis nessa mudança da relação entre Nietzsche e Wagner, quer sejam:
“(…) o humano-pessoal, o religioso e filosófico e o histórico-espiritual. Wagner tinha uma personalidade exuberante, mas também dominadora e intolerante para com outros artistas (como Brahms). Nietzsche tinha de subtrair a essa dominação. Wagner nasceu em 1813 – mesmo ano do pai de Nietzsche – e ele em 1844. Não era uma relação inter pares. É preciso lembrar que, enquanto Wagner já era famoso mundialmente, Nietzsche era um jovem desconhecido. No plano filosófico e religioso, as divergências foram se acentuando. Nietzsche rompeu com o cristianismo aos dezessete anos, um passo doloroso, documentado também nas composições da época, que eram sacras (oratórios), e subitamente passaram à profanas. Quando Wagner compôs o Parsifal, Nietzsche acreditou ver na obra uma conversão ou recaída do velho Wagner no cristianismo – o que era para ele uma grande ofensa. (…). Nietzsche também desaprova o apego de Wagner à filosofia pessimista de Shopenhauer. O terceiro plano é a superação do romantismo por Nietzsche”. 
Enquanto o livro O nascimento da tragédia trazia dedicatória ao compositor, reconhecendo sua música quanto à importância que esta poderia trazer ao prenunciar uma nova cultura e um melhor relacionamento entre os homens, em O Caso Wagner, Nietzsche rompe definitivamente com esse pensamento, afirmando ser a música de Wagner doente e possuidora de sentido moral, religioso e metafísico. A música, significando o princípio básico da estética nietzschiana, não poderia negar a existência, ao contrário, deveria sim afirmá-la e torná-la mais livre.
Dessa forma, o drama musical wagneriano não estava livre de pretensões metafísicas ou redentoras, acabando por se tornar altamente ideológico – como já tinha mostrado a história, de modo trágico – e consequentemente perigoso à afirmação da vida.
Nietzsche reconhecia em Wagner um Ésquilo moderno, o qual poderia restaurar os mitos instintivos, tornando a unir a música e o drama em êxtases dionisíacos. É esse o caráter de sua música que, segundo Nietzsche, junto com o povo alemão, iria restaurar o mundo experimentado sob transe místico.
O filósofo, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer, convertera-se declaradamente ao cristianismo, entre outras divergências. O que parecia ser a música de Wagner um indício de cura, de regeneração, de recuperação e de liberdade, apresenta-se como o sintoma mais definitivo do fracasso, da doença, da perda e da ruína.
Wagner já não produzia mais música que exalasse calor e vida, tendo se transformado em um “(…)artista da décadence – eis a palavra. E aqui começa a minha seriedade. Estou longe de olhar passivamente, enquanto esse decadent nos estraga a saúde – e a música, além disso! Wagner é realmente um ser humano? Não seria antes uma doença? Ele torna doente aquilo em que toca – ele tornou a música doente”.
Wagner voltara-se ao cristianismo e Nietzsche enganara-se, pois, segundo ele, “Richard Wagner, aparentemente um herói conquistador, mas agora um decadente desesperado que apodreceu, deixou-se afundar subitamente, impotente e alquebrado, diante da Cruz Cristã”. 
O Nietzsche de 1872 enganara-se quando acreditou na possibilidade de uma arte dionisíaca esquiliana na Europa, através de Wagner. O seu ressentimento atenuou-se por saber o quanto Wagner, e sua própria arte, estavam vivendo uma fase decadente. Porém, Nietzsche ao tomar consciência dessa crise, procura superar-se criando uma filosofia de crítica aos valores de uma sociedade burguesa arruinada culturalmente. E a norma socrática de decadência “conhece-te a ti mesmo” deveria ser substituída pela norma mais humana do “supera-te a ti mesmo”, porque o homem não precisa senão de si mesmo.
Sua crítica a essa metafísica da arte, aliada com a rejeição à filosofia de Schopenhauer, passa a falar agora aos europeus do futuro. De fato, O Caso Wagner é realmente um ataque contra Wagner, mas “mais ainda um ataque contra a nação alemã que vem se tornando cada vez mais preguiçosa e desprovida de instinto nas coisas do espírito”, escreve ele. Nietzsche lamenta, além disso, que Wagner ao envelhecer tenha se germanizado.
A música wagneriana revelou-se e perdeu o seu valor para Nietzsche. Wagner não podia ser sincero e essa ruptura, todavia, está na compreensão da música wagneriana como uma expressão e índice da decadência e da impossibilidade de se realizar uma arte vigorosa, uma arte heróica e poética; a música alemã jamais poderia levar ao renascimento da tragédia na cultura européia.
A filosofia musical de Nietzsche unida a Wagner foi uma tentativa do filósofo em entender o universo sonoro musical como revelação de uma verdade abissal sobre o ser humano. Porém, ao subordinar a música ao drama, o que o filósofo repreende no compositor é este usá-la como instrumento das idéias religiosas e da moral, transformando-a em arte de sedução e de hipnose, alienação e anestesiamento. Sobre sua “amizade estelar” com Wagner, escreve no seu livro A Gaia Ciência:
“Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos nos ocultar e obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois barcos que possuem cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos – e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado a seu destino e ter tido um só destino. (…) e assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na terra”.
 CONCLUSÃO
Nietzsche não busca um ideal de verdade, mas antes o valor do artista e de sua arte na busca de uma interpretação que fixe o sentido dos fenômenos, reconhecendo-os como fragmentários e parciais. Ao maximizar a pulsão instintiva do homem, sua sabedoria, força criativa e afirmadora da vida, reconhece na música essa força, pois esta traz junto a possibilidade de fusão entre homem e natureza, indivíduo e existência, a aproximação verdadeira entre o uno primordial e o cosmos.
Importava para ele uma música distante de lágrimas e de culpas ou a que estivesse mais próxima da vida, causando-lhe um estremecimento de temor. Em suas palavras, descreve: “(…) Direi ainda uma palavra para os ouvidos mais seletos: o que eu quero propriamente da música. Que ela seja serena e profunda, como uma tarde de outubro. Que seja singular, travessa, terna, uma doce pequena mulher de baixeza e encanto… (…)”.
Somente a música dionisíaca, livre de moralismos e castidades, possibilita o reaparecimento dessa pulsão instintiva e vital no homem, podendo despertá-lo para uma existência (também) livre de remorsos, ressentimentos e crises de consciência, numa associação entregue à coragem, ao heroísmo e ao fatalismo. Para o filósofo, plena de vida e sedenta de liberdade é a música dionisíaca, pois expressaria a força e a fatalidade no homem. Nesse sentido, afirma Nietzsche:
“A música, como a entendemos hoje, não é igualmente senão uma irritação e uma descarga completa das emoções, mas não é mais que o resto de um mundo de expressões emocionais muito mais amplo, um resíduo do histrionismo dionisíaco. Para tornar a música possível, enquanto arte especial, imobilizou-se certo número de sentidos, em primeiro lugar o sentido muscular (ao menos em alguma medida: pois, sob um ponto de vista relativo, todo ritmo fala ainda a nossos músculos): de maneira que o homem não possa mais imitar e representar corporalmente tudo o que sente. Contudo, este é precisamente o verdadeiro estado normal dionisíaco e, em todos os casos, o estado primitivo; a música é a especificação desse estado, especificação lentamente adquirida, em detrimento das faculdades próximas”. 
A relevância do instinto para o homem, enquanto ser livre que sente e flui no mundo, é acentuada em todo momento no pensamento nietzschiano. Dias reforça a idéia destacando que:
“Para Nietzsche, a tragédia não é apenas uma nova forma de arte ou um novo capítulo na história da arte, ela tem a função de transformar o sentimento de desgosto causado pelo horror e absurdo da existência, numa força capaz de tornar a vida possível e digna de ser vivida. Para Nietzsche, o verdadeiro valor do homem reside no instinto, pois é na realização do instinto que ele encontra sua expressão espontânea e livre, criando e recriando”. 
Quando o filósofo pergunta: “Já se percebeu que a música faz livre o espírito? dá asas ao pensamento? que alguém se torna mais filósofo, quanto mais se torna músico?",  ele quer afirmar a força artística e interpretativa, próprias da vida, que mais tarde vai chamar de vontade de potência, como música.
O Dionisíaco é esta música que, ao se manifestar, precisa necessariamente da transposição apolínea da representação, pois “(…) a luta, a dor, a destruição dos fenômenos aparecem necessárias para nós”.  Ambas as pulsões “deixam entrever algo de mais profundo que transcende qualquer herói individual; o eterno vivente criador”.  Ainda, “somente a partir do espírito da música entendemos a alegria diante do aniquilamento do indivíduo”. 
Ao criticar e excluir da história da música os últimos dramas musicais wagnerianos, Nietzsche separa os aspectos positivos da música, ou seja, esta enquanto transmissora de estímulos vitais, afirmadora da existência, a que clama “sim” à vida, daquela música doente, decadente, enquanto mecanismo de manipulação e apatia, transformada e transfigurada em omissões, cuja função é anestesiar, alienar e distanciar o homem do valor de sua existência.
A música, sendo uma linguagem universal em alto grau, expressa todas as sensações humanas e seus esforços, podendo o homem exprimir-se pelas melodias. O peso da existência é atenuado com estimulantes. Dessa forma, a música recupera a vida, transporta beleza e desenvolve uma multiplicidade de sensações positivas à existência. Enquanto mecanismo ativo de estímulo e criação, a música afirma a vida e se torna importante elemento artístico, cuja função é criar homens voltados à vida e à cultura.
Com efeito, a música é a voz sonora de um povo, de uma cultura, de uma verdadeira arte. Nietzsche reforça a idéia quando destaca que:
“A música é, de fato, não uma linguagem universal para todos os tempos, como se tem dito muitas vezes em seu louvor, mas corresponde exatamente a um período particular e ao ardor duma emoção que envolve uma cultura individual e perfeitamente definida, determinada pelo tempo e pelo espaço, como a sua mais íntima lei”.
O pensamento Nietzschiano, ao criticar as formas decadentes da arte musical, relaciona-se diretamente com o sentido afirmativo da existência, clamando “sim” à vida. Afirma o filósofo:
“A música é a última planta a vir à luz, aparecendo no Outono e na estação morta de cultura a que pertence. O século XVIII – século da rapsódia, dos ideais desfeitos e da felicidade transitória – apenas se revelou na música de Beethoven e de Rossini. O amador de sorrisos sentimentais bem podia dizer que toda a música realmente importante foi um canto de cisnes”. 
“A música é o último hálito de uma cultura”, escreve Nietzsche. 
 A crítica, conforme cita Copleston, “é direcionada às culturas tirânicas, onde o homem está submetido e governado ao que ele chama de o incorreto sentir,  pois se desejam falar, a convenção segreda-lhes a réplica que hão de dar e isso os obriga a esquecer o que, a princípio, tencionavam dizer. (…) Desta forma se transformam em pessoas absoluta e completamente diferentes, ficando reduzidas a objetos escravos de um incorreto sentir”.
Copleston segue em seu argumento explicando:
“Mas quando os acordes da música dum mestre desabam sobre uma humanidade assim doente e sofredora, o significado dessa música é o correto sentir, inimigo de toda a convenção, de todo isolamento artificial e de toda a falta de compreensão de homem para homem. Essa música significa o regresso à natureza e, ao mesmo tempo, uma purificação e remodelação dessa mesma natureza”. 
Percebe-se que, desde O nascimento da tragédia até O Caso Wagner, Nietzsche, por meio de seu pensamento genial e incomparável, tenta elevar o valor sobre a questão da existência. O homem, possuidor de instinto e de razão, não poderia omitir um em detrimento do outro. Nesse sentido, esse “psicólogo” da espécie humana, como se intitulava, formulará profundas e relevantes críticas às doutrinas que menosprezem a vida – como o cristianismo, conforme afirmava – tornando homens livres em submissos e separados da unidade da vida.
A música, enquanto criação humana da arte, apreendida principalmente pelos sentimentos, remete-nos a um recurso otimista revitalizante para suportar a realidade da dor do sofrimento humano. Seu espírito livre e sua capacidade instintiva e criativa são despertados pela herança da cultura mítica grega, como forma de pensar o significado da vida – seu valor e sua força.